sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

RÁDIOS COMUNITÁRIAS - Projeto do Governo amplia repressão



Por Dioclécio Luz em 17/2/2009

O ano passado acabou para as rádios comunitárias com duas notícias, uma boa e uma ruim. A boa é que a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, ninho dos parlamentares donos de emissoras comerciais, aprovou projeto substitutivo (PL nº 4549/98) do deputado Walter Pinheiro (PT-BA) anistiando os que foram punidos por colocar rádio no ar sem autorização. É o tipo de coisa que só acontece a cada cem anos. A notícia ruim é que o governo Lula encaminhou ao Congresso Nacional Projeto de Lei (nº 4573/08) que aumenta mais ainda a repressão sobre as rádios comunitárias. Isto é, quando todo mundo esperava que o governo do PT fosse apoiar a proposta avançada de Walter Pinheiro (companheiro de partido!), agora tramitando na última comissão da Câmara, ele manda uma outra absurdamente reacionária.
Por que o governo Lula encaminhou Projeto de Lei tão ruim para o Congresso Nacional poucos dias depois da Câmara aprovar o substitutivo de Walter Pinheiro? A intenção do governo era atrapalhar o processo ou impedir avanços? Estamos tratando de má-fé do governo para com as rádios comunitárias? Quem articulou politicamente este projeto? Alguma entidade colaborou com ele?
Má-fé e retrocesso
Dizem fontes seguras que a história desse projeto começou em setembro do ano passado, quando representantes de entidades de rádios comunitárias estiveram com o ministro da Justiça, Tarso Genro. Desse encontro, e de um acordo posteriormente firmado entre o Ministério da Justiça, Ministério das Comunicações e Casa Civil, teria brotado a proposta.
Antes de analisar o PL do governo, gostaria de recordar apenas dois pontos do que escrevi na época (25/09/08) NESTE Observatório ("O que fazer pelas rádios comunitárias") sobre esse encontro com Tarso Genro. Fiz duas sugestões ao governo:
1. O Executivo deveria parar de continuar enrolando o movimento das rádios comunitárias.
2. O Executivo já sabe o que fazer. Não se admite mais que erre em questões primárias.
Está claro que esse PL não é um erro, mas uma opção política, um ato de má-fé e um retrocesso para a comunicação popular do país.
"Expor a perigo" a segurança
O que diz o PL 4573/08?
Ele começa mexendo numa velharia ainda viva contida no artigo 151 do Código Penal. A proposta elimina os incisos II, III e IV do parágrafo 1º do art. 151 do Código Penal (Decreto Lei nº 2448/40). Este fóssil jurídico, que ainda fala em coisas como "comunicação telegráfica ou radioelétrica" e em "aparelho radioelétrico", até hoje é usado pela Polícia Federal como justificativa para reprimir rádios não autorizadas. Eis o texto completo. A parte em negrito é a que o Governo pretende subtrair:
"Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre:
I – quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, embora não fechada e, no todo ou em parte, a sonega ou destrói;
II – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;
III – quem impede a comunicação ou a conversação referidas no número anterior;
IV – quem instala ou utiliza estação ou aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal".
Com o fim destes incisos, fica tudo resolvido? Não é bem assim. Trata-se de um engodo, uma armadilha. Porque o PL 4573/08 também propõe mudanças no Parágrafo 1º do artigo 261 do Código Penal.
Diz o texto original do Código Penal em vigor:
"Art. 261 – Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos.
Parágrafo 1º – Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de aeronave:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos" (grifo nosso).
E agora a proposta do governo de como deve ficar este parágrafo 1º:
"Parágrafo 1º-A Na mesma pena do caput incorre quem, mediante operação de serviços de radiodifusão, expõe a perigo a segurança de serviços de telecomunicações de emergência, de segurança pública ou fins exclusivamente militares, ou, ainda, o funcionamento de equipamentos médico-hospitalares" (grifo nosso).
Politicamente esperto
Observe que originalmente havia uma punição para quem "expõe a perigo" e outra punição no caso de "naufrágio... queda ou destruição de aeronave". Se o acidente acontecia, a punição era maior. Existe uma diferença muito grande nisso. O PL do governo diz que basta a pessoa expor a aeronave ao perigo (não precisa que ocorra o acidente) para que ela seja condenada à pena de reclusão de dois a cinco anos. Hoje, esse tipo de ameaça (reclusão) paira somente sobre aquelas emissoras sem autorização; se esse projeto for aprovado todas podem ser citadas.
Quanto aos riscos às aeronaves, como todo mundo sabe que rádio comunitária não derruba avião, os inimigos das rádios comunitárias nunca iriam ter um avião no chão que servisse de exemplo. Logo, estão tentando adequar o texto legal à ficção que criaram. Com isso, mudam um pouco a justificativa mitológica para repressão: a rádio não derruba avião, mas cria o perigo dele cair.
À parte os deslumbramentos de burocrata, tecnoburocrata ou carrapato do poder, que traz para os dias atuais expressões típicas dos tempos de Machado de Assis ("expõe a perigo") e a vontade férrea de defender o poder (e seu emprego), a redação do PL é uma tentativa escancarada de legitimar os abusos hoje cometidos pelos órgãos de repressão. É sabido que os inimigos das rádios comunitárias usam exatamente esses argumentos (interferência no sistema de aviação, na segurança e nos serviços de saúde) para cobrar mais repressão do Estado. Se hoje os agentes do Estado cometem abusos usando tais bobagens como argumento para fechar rádio, se este PL for aprovado eles estarão dentro da lei para enquadrar e botar na cadeia aqueles que, na sua opinião, merecem punição.
É preciso reconhecer: quem bolou isso, embora tenha mofo no cérebro, foi muito esperto politicamente.
O argumento de "derrubar avião"
O mesmo Projeto revoga o Artigo 70 da Lei 4.117/62, mais um fóssil jurídico, este criado pela ditadura militar (Decreto 236/67) ainda hoje usado com pela Polícia Federal. E também estabelece que o artigo 183 da Lei 9472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), muito usado pelos agentes da Anatel, não se aplica à radiodifusão.
Se as leis 4.117/62 e 9.472/97 não serão utilizadas para reprimir as emissoras comunitárias, imagina-se que agora se fará uso da legislação de rádios comunitárias, a Lei 9.612/98. Está errado quem pensou nisso. O óbvio não funciona na política. Ao invés de incluir na lei pertinente todas as punições de que o tema trata, o governo transforma o caso num crime de ordem penal.
Enfim, o que temos em resumo nessa primeira parte do projeto é:
1) O Código Penal – e não mais a Lei 4.117/62 ou a Lei 9472/97 – pode ser o instrumento central para reprimir as emissoras, autorizadas ou não.
2) Emissoras autorizadas ou não autorizadas podem ter seus equipamentos apreendidos e seus dirigentes podem ser submetidos ao processo penal. (Antes isso ocorria somente com as não-autorizadas).
3) No Código Penal substitui-se a pena de "detenção, de um a seis meses, ou multa (art. 151) por uma de "reclusão de dois a cinco anos" (art. 261). Trocou seis por meia dúzia mais um pouco.
4) A redação permite uma leitura subjetiva sobre a existência de crime. Um juiz, ou mesmo um desses agentes (!), pode achar que a emissora está provocando interferências em sistemas de segurança, equipamentos hospitalares (aparelho de tomografia?), telecomunicações e aeroviário e fechar a emissora. Hoje é assim. Fecha-se a rádio sob o argumento de que pode derrubar avião. Claro que há um lado otimista: juízes e agentes da Anatel de bom senso vão querer provas antes de fecharem a emissora.
"Apoio cultural"
Para as emissoras não-autorizadas no ar, não bastasse a incursão no Código Penal, o governo propõe um tratamento especial. Diz o texto do seu PL:
"Art. 21– A operação de estação de radiodifusão sem autorização do poder Concedente constitui infração gravíssima sancionada com a apreensão dos equipamentos, multa e a suspensão do processo de autorização de outorga ou a impossibilidade de se habilitar em novo certame até o pagamento da referida multa".
A novidade é que antes o diretor da entidade era "apenas" indiciado em processo na Polícia Federal. Agora, além do indiciamento e da possibilidade de ser preso, e da apreensão dos equipamentos, ele e a entidade recebem uma outra punição: o processo da rádio ao qual está ligado fica paralisado até o pagamento da multa.
O PL propõe modificações no artigo 21 da Lei 9.612/98 (lei das rádios comunitárias), o que trata das infrações cometidas pelas rádios.
Com relação à publicidade, por exemplo, fica valendo o artigo 18, em vigor, que admite a propaganda apenas como "apoio cultural". Mas o que é apoio cultural? A nova proposta do governo é medíocre porque não leva em conta que "apoio cultural" é um conceito sem definição. A norma operacional 01/04 (art. 19.6.1) diz que considera apoio cultural a "divulgação de mensagens institucionais". Mas o que são "mensagens institucionais"? Isso só quem sabe é o agente repressor. O mesmo que aplica a multa quando acha que a rádio está descumprindo esse artigo.
Estado contra o povo
O Capítulo XI, do Decreto 2.615/98, que trata das infrações cometidas pelas rádios comunitárias, lista 29 motivos para punir. Mas não tem aí a questão da publicidade. Hoje, a Anatel multa, mas sem uma base legal. Portanto, esta mudança proposta pelo governo visa a atender aos interesses dos agentes repressores, que precisavam de uma base legal para fazer o que já fazem hoje.
Deve-se considerar que para uma comunidade pobre conseguir recursos para pagar a multa imposta pelo poder público não é fácil. Na falta de recursos, a cobrança vai para dívida pública e os projetos sociais ligados à entidade são vetados – e assim também a própria rádio. Centenas de rádio foram multadas por operarem sem autorização ou por colocarem no ar publicidade que, segundo os agentes, infringe a lei.
A multa é um instrumento de repressão política. Uma estratégia cruel: é criando dívidas que você aniquila o pobre. É o Estado contra o povo brasileiro. A serviço das elites econômicas (e não somente do campo da comunicação), o Estado faz uso desse instrumento.
Uma proposta ridícula
O destaque no projeto do governo é sua ênfase no combate ao proselitismo. Sua proposta estabelece como "infração gravíssima" a prática do proselitismo de qualquer natureza. Mas o que é "proselitismo"? A Lei 9.612/98, em pelo menos dois artigos (art. 4º, parágrafo 1º; art. 11), já faz o veto ao domínio das rádios comunitárias pelas igrejas e ao proselitismo que praticam. Mas, curiosamente, os agentes da Anatel e da PF nunca encontraram isso. Centenas de rádios são dominadas por padres e pastores e eles nada vêem. Em Copacabana, em Brasília, as antenas são maiores do que as torres das igrejas, se avistam a quilômetros, mas nem a PF nem a Anatel conseguem ver. São antenas invisíveis – talvez por razões espirituais. Ou seriam econômicas?
Estudo feito no ano passado pelo professor Venício Lima e pelo consultor legislativo Cristiano Lopes revela aquilo que todo mundo já sabia, mas não tinha provas: o Ministério das Comunicações distribui autorizações de rádios comunitárias para políticos, padres e pastores aliados. Por que o Ministério da Justiça não apura essas denúncias? Por que não descobre quais os servidores públicos envolvidos nesta indecência? Por que a Polícia Federal, a Abin, o FBI, sei lá, não investigam a participação do ministro Hélio Costa nesta distribuição de rádios? Por que a Polícia Federal não investiga como a Igreja Católica conseguiu autorização para mais de 200 rádios ditas comunitárias, se isto é ilegal, imoral, indecente? Por que o Ministério da Justiça não investiga o que ocorre dentro da Casa Civil, aonde montaram um balcão para distribuir rádios comunitárias para X e Y?
Fazer este tipo de coisa, depurar o setor, é muito mais do feitio do Ministério da Justiça e seria muito mais saudável para sociedade, do que fazer alianças com outros ministérios e apresentar esta proposta ridícula de projeto. A gente esperava mais de Tarso Genro e sua equipe.
Fonte: Observatório da Imprensa

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Soldado Cabeça de Papel

Texto e foto Osíris Duarte

“Marcha soldado, cabeça de papel, se não marchar direito vai preso no quartel. O quartel pegou fogo, a polícia deu sinal, acorda, acorda, acorda a bandeira nacional”.
A antiga cantiga de roda embalou a infância de quase todos os homens e mulheres brasileiros ao longo de muitos anos. Mas hoje, esses versos ganharam um significado mais claro e menos lúdico. Eles traduzem com um tom patriótico ufanista a forma como o Policial Militar é tratado na sociedade brasileira. O status de militar carrega consigo prerrogativas hierárquicas e autoritaristas que fomentam a intransigência de um Estado e pouco presente na vida do cidadão.
Se não marchar direito vai preso no quartel... E então, o quartel pegou fogo. Parece que os governantes brasileiros se esquecem que as terras tupiniquins não são território suíço, e que os números alarmantes da criminalidade e da violência no Brasil são só uma realidade presente em comunidades empobrecidas. E mesmo que fosse, isso só reforçaria o descaso da administração pública para com o cidadão e o preconceito de classe existente na nossa sociedade. Aqui, na República das Bananas, policial responsável para com a família e seus compromissos financeiros faz bico de segurança escondido, (porque isso não é permitido) isso quando ele não é seduzido pelo crime. Aqui, arriscar a vida para trocar tiros com criminosos vale pouco mais que R$ 1.000,00 por mês. Isso sem contar os mais de 3 mil policiais quase sem salário por causa de empréstimos consignados através da ABEPOM (Associação Beneficente dos Policiais Militares) dirigida apenas por oficiais da corporação – que ganham em média 10 vezes mais. Aqui, na terra brasilis, segurança é sinônimo de dinheiro. Afinal, quem paga tem educação de qualidade, saúde digna e segurança privada.

Entre os dias 22 e 27 de dezembro de 2008, cerca de metade das terras catarinenses ficaram sem atividades de segurança pública, ou seja, sem policia e bombeiros. Entre mortos e feridos salvaram-se as mulheres. A Associação dos Praças do Estado de Santa Catarina (APRASC) deflagrou neste período um movimento, encabeçado pelo Movimento das Esposas e Familiares dos Praças, já que militar não pode reivindicar direitos trabalhistas porque, em suma, a Lei diz que ele tão somente deve cumprir ordens sem questionar. O movimento, que foi taxado de criminoso pelo governo estadual e pela grande imprensa, incomoda aqueles que querem manter uma imagem irretocável da administração pública em Santa Catarina. Quer saber qual foi o crime? Reivindicar o cumprimento de uma Lei. Seria cômico se não fosse trágico.

A Lei 254 garante o reajuste de 93,81% para toda a segurança pública do estado, além de um Plano de Cargos e Salários e outros direitos que toda classe trabalhadora tem. A Lei também tem como objetivo diminuir o abismo entre os patamares salariais dos praças e dos oficiais. A Lei foi editada em 2004. Mas durante mais de quatro anos policiais e bombeiros catarinenses esperaram que o salário esquentasse, porque mesmo com a Lei, o salário da categoria continuou congelado. Hoje, cerca de 30% do previsto no reajuste foi concedido aos praças, enquanto os oficiais já obtiveram por volta de 60% do montante previsto.

Em frente à ALESC (Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina), debaixo de uma tenda branca, com murais repletos de fotos, algumas mulheres se agitam. Elas olham desconfiadas para todo o movimento no entorno. Parece que a praça em frente à casa legislativa não inspira um ambiente de confiança. Não é sarcasmo. É que os chamados P2 - espiões da polícia - andam circulando o local. Qual é a ameaça que essas mulheres representam para serem vigiadas dessa forma?

Lúcia Pereira, Jeane Toledo, Ana Paula Stadnick e Edileusa Garcia Fortuna são esposas de Policiais Militares. Ali, na tenda branca, elas fazem piquete. É o sonho de justiça e de dignidade que move essas mulheres. Lá, elas conversam com o povo, recolhem assinaturas – já são mais de 30 mil na Capital – e fazem vigília. Desde que o Movimento das Esposas e Familiares dos Praças tomou a frente na luta pelo cumprimento da Lei 254, cerca de 20 delas já foram intimadas. No documento enviado para Edileusa constava: Intimação para oitivo de inquérito da Policia Militar. “Não fui porque não sou policial!”diz ela. A pressão não vem só do P2 que circula na praça enquanto elas conversam com o jornalista do SINTRAJUSC, ou da intimação que recebida pelo filho de 10 anos de Edileusa na sua própria casa. A pressão vem de todos os lados. Inclusive da situação do próprio marido, que assim com outros PM’s, presta esclarecimentos no Conselho Disciplinar da Policia Militar. Apesar dos quase 30 anos de carreira, e de estar prestes a ser promovido a Tenente, ele tem que colocar sob julgamento sua capacidade profissional e seus valores morais. É a primeira vez que ele é convocado para tal Conselho, justamente na época em que o movimento foi deflagrado. O marido de Edileusa, assim como outros 17 PM’s, pode ser excluído da corporação.

25 de Dezembro de 2008. Natal. Familiares dos praças fazem à ceia nos quartéis ocupados pelo movimento. A noite foi longa, mas não por causa do clima festivo do aniversário de Jesus. Notícia ruim chega rápido. O Batalhão de Operações Especiais de Policia (BOPE) havia sido acionado. Eles iriam invadir os quartéis na noite de Natal. Desenhava-se então uma tragédia. Os praças tinham acesso às armas do batalhão e, se houvesse confronto, eles não iriam apanhar calados. O clima ficou tenso. Talvez fosse o espírito natalino e a presença de divina – para aqueles que acreditam – que evitou um confronto sangrento. Mas o fato, independente da esperança e da fé, foi que 80% dos oficiais do BOPE se negaram a participar da operação. A Tropa de Elite também tem valores como companheirismo e senso de justiça, não é só “tapa na cara”. Eles não confrontariam os praças, seus colegas de trabalho. Dada à situação, o governo do estado pediu a presença da Força Nacional de Segurança. Com a notícia, os praças mudaram a estratégia. Desocuparam os quartéis. Quem então é violento? A Policia ou o estado autoritário?

Apesar de ter declarado publicamente apoio a APRASC na época de campanha eleitoral, o Governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira, insiste em dizer que a associação não existe, que não reconhece tal entidade. O direito a organização civil está previsto na Constituição, mas ao que tudo indica policial não é cidadão, não é trabalhador, não é povo. É o que então? Será que tudo isso é medo de que os policiais passem para o lado dos trabalhadores? Quando isso acontecer, à cantiga do soldado cabeça de papel vai soar como um hino de esperança, não um símbolo de repressão. ...“Acorda, acorda, acorda a bandeira nacional”.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Provocações

Por Luis Fernado Veríssimo

"A primeira provocação ele agüentou calado. Na verdade, gritou e esperneou. Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão. A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso. Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de medicamento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz. Foram provocando por toda a vida.Não pôde ir à escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, ele gostava de roça. Mas aí lhe tiraram a roça. Na cidade, para onde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme, firme. Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Os que morriam eram substituídos. Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a ajuda não ajudava.Estavam provocando. Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça. Ouvira falar de uma tal de reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa. Terra era o que não faltava. Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Pra valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação. Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano... Então protestou. Na décima milésima provocação, reagiu. E ouviu, espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele: Violência não!".

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Mais uma ameaça para o funcionalismo - Por Elaine Tavares

O ano de 2009 começa apresentando inúmeros desafios aos trabalhadores das universidades. E um dos “tenebrosos” é volta da proposta de extinção do regime jurídico único na administração pública, que já havia sido aprovada na Câmara como Emenda Constitucional 19, em 1998, criando inclusive o chamado emprego público, que, na prática era a contratação sem concurso pela CLT. Essa lei acabou sendo abortada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2007, por conta de problemas de ordem regimental. A alegação era de que não havia sido respeitado o quorum mínimo para a aprovação. O fato é que isso caiu.
Pois, no ano passado o deputado Eduardo Valverde, do PT de Rondônia apresentou no mês de novembro uma nova PEC, que leva o número 306/08, que apresenta outra vez a proposta de extinção do regime jurídico único na administração pública. Passando essa emenda os servidores públicos poderão ser contratados pela CLT ou pelo regime estatutário que abrangeria apenas as chamadas carreiras típicas do estado, tais como as da Justiça e da Diplomacia.
A idéia do deputado visa dar solução à situação dos trabalhadores que foram contratados via emprego público durante o tempo em que esteve em vigência a EC 19. Singelo! Na verdade, o que o deputado petista quer provar é que a administração pública pode e deve funcionar como uma empresa privada, ajeitando as coisas para quando tudo ficar na mão das Fundações Estatais. É tudo muito orquestradinho, e vai se fazendo devagar, pelas beiras, sem muito alarde. Valverde, no melhor estilo rançoso do neoliberalismo agonizante afirma que “é necessária a flexibilização do regime das relações de trabalho firmadas com a administração pública”.
Assim, enquanto em alguns países da América Latina os novos governantes vão aprofundando mudanças estruturais significativas que acabam de vez com o perfil neoliberal que tomava conta do continente, aqui, os petistas insistem na forma velha de gerir o público. Não conseguem ver que esta prática de privatizar tudo o que é público já faliu de vez. No rumo do atraso, o deputado petista insiste, usando as palavras-chave do velho regime: “a mudança otimizará as contratações pelo administrador nas hipóteses que demandam prestação de serviços não permanentes, compatibilizando os gastos em folha com uma eventual mudança na necessidade daquele serviço à população”. Trágico.
O fato é que esta “singela” vontade do deputado Valverde balança com toda a estrutura do serviço público e, ao que parece, a turma ainda está anestesiada pelos ganhos conseguidos com as últimas lutas que, ainda sendo poucos, conseguem calar uma boa parcela das categorias.
O lulinha paz e amor segue com altos índices de aprovação. Enquanto isso seus companheiros de partido vão atacando pelos flancos. O mês de janeiro é um tempo de férias nas universidades, fevereiro ainda não chegou e o carnaval está longe. Vamos torcer para que o povo não espere março chegar para abrir os olhos, porque enquanto as gentes cumprem seu merecido descanso, os dirigentes dos sacos de maldade seguem a todo vapor. É por isso que eu sempre digo, na vida sindical não há tempo para o descanso. Quem opta por este caminho tem de saber que aqui não é a Guerra de Tróia, onde os guerreiros acordavam entre si os momentos de trégua para descansar. Aqui é a luta de classes do capitalismo selvagem. Não há tempo para torrar ao sol.