segunda-feira, 28 de julho de 2008

A Escola Triste





Míriam Santini de Abreu

Nos anos 70 e 80 chamava-se “primeiro grau” a progressão de primeira a oitava séries. O primeiro grau eu fiz na Escola Estadual Clemente Pinto, em Caxias do Sul. A prédio fica a uma quadra da casa de minha família. Entrei na primeira série com seis anos. Era baixa, magra, míope. Todas as minhas roupas eram doadas por vizinhos e familiares. Usava uniforme azul com listras brancas, Conga e, no inverno, um casaco com pêlos em volta das mangas e do colarinho, que eu detestava. Mas havia um lugar onde a minha sensação de carência e de estranheza em relação a tudo e a todos desaparecia. Era na biblioteca da escola.

Bastava subir a escada ao lado da sala do SOE, o Serviço de Orientação Educacional, e o mundo era meu. As mesas eram baixas e redondas, os banquinhos também. Os livros, catalogados, pareciam me espiar, me desejar, aquietados nas prateleiras ou abertos, repletos de delícias, sobre as mesas. Não havia dia nem hora para retirá-los. A biblioteca me acolhia, me aquietava. E lá, fora, no pátio, havia concreto, mas também árvores, cantos misteriosos, reservados somente ao zelador. E lembrei-me da Clemente Pinto quando conheci a escola da Barra do Sambaqui, em Florianópolis. É tanta feiúra e decadência que só pude pensar em uma definição: a Escola Triste.

A entrada: paredes de tijolos mal-pintados de branco, com uma grande de ferro. Parece uma grande cela. O mofo está todos os cantos, principalmente onde as crianças fazem as refeições. O pátio para as brincadeiras é minúsculo, coberto de brita, sob encomenda para deixar a pele ralada ao menor tombo. Nas salas de aula – são duas - há aquelas horríveis janelas basculantes, que deixam o mundo lá fora fatiado em retângulos. A escola toda parece uma gambiarra, algo juntado às pressas, sem graça nem beleza.

Mas, nessa escola triste, o que há de pior é a biblioteca. As goteiras já causaram curto-circuito, e por isso não é seguro usar os computadores que seriam utilizados no aprendizado. Os livros – poucos – ficam apinhados em umas poucas estantes, a gritar a inutilidade dos discursos vazios sobre “qualidade de ensino”, “internet na sala de aula” e outras máximas que mascaram a precariedade cada vez maior do ensino público. Bonitas, ali, só aquelas crianças e aquelas professoras que, há quase um ano, esperam a reforma prometida.

O que os meninos e meninas aprendem, desde cedo, é que, num mundo de ricos e pobres, com suas escolas de ricos e pobres, o lugar que lhes cabe é aquele. Na Clemente Pinto, era na biblioteca que a minha pobreza se apagava. Na Escola Triste, nas salas cheias de bolor, sem mistérios nem magias, nada há para dar, às crianças, o gosto açucarado de uma promessa, de uma possibilidade. O gosto de um mundo onde os desejos possam ser compartilhados.

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